Direito do trabalho e a substituição do termo "trabalhador" por "colaborador"
- Gabriel Barros
- há 5 dias
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O neoliberalismo, enquanto ideologia econômica e política dominante desde o final do século XX, promove uma série de transformações no mundo do trabalho que vão muito além da esfera econômica. Uma de suas estratégias mais sutis e perigosas é a tentativa de apagar a figura tradicional do trabalhador, substituindo-a por termos como “colaborador”, “associado”, “parceiro” ou até mesmo “empreendedor de si mesmo”. Essa mudança linguística não é neutra nem inocente — ela tem implicações profundas nas relações de poder e na percepção social do trabalho.
Ao deixar de chamar o trabalhador por aquilo que ele é — alguém que vende sua força de trabalho em troca de um salário — o neoliberalismo busca diluir o vínculo contratual e as responsabilidades da empresa. O termo “colaborador” sugere uma relação de igualdade, quase de amizade ou parceria, quando, na realidade, as estruturas de hierarquia e exploração permanecem intactas. Essa mudança de nomenclatura esconde conflitos de classe e apaga a luta por direitos trabalhistas, dificultando a organização sindical e a consciência coletiva.
Além disso, essa linguagem está alinhada com a lógica da responsabilização individual. O fracasso, que antes poderia ser visto como resultado de más condições de trabalho ou de políticas públicas precárias, passa a ser entendido como consequência da falta de esforço ou de “espírito empreendedor” do indivíduo. Isso reforça a precarização das relações de trabalho ao mesmo tempo em que mina a solidariedade entre os trabalhadores, criando um ambiente de competição e autoexploração.
O apagamento da figura do trabalhador sob o neoliberalismo não é apenas uma questão semântica, mas um projeto político de dominação. Ao substituir o vocabulário da luta de classes por um discurso de colaboração e meritocracia, o sistema esvazia as ferramentas críticas e históricas que permitiram conquistas trabalhistas no passado. Resgatar o significado político da palavra “trabalhador” é, assim, um ato de resistência e de afirmação de direitos frente às estratégias ideológicas do capital.
Essa transformação simbólica promovida pelo neoliberalismo reflete e reforça mudanças concretas e profundas no campo do Direito do Trabalho. Ao privilegiar a lógica de mercado em detrimento da proteção social, o neoliberalismo passa a tratar o trabalho não como um direito, mas como uma mercadoria qualquer, sujeita às leis da oferta e da procura. Essa visão enfraquece o papel histórico do Direito do Trabalho, que surgiu justamente para equilibrar a desigualdade entre patrões e empregados, protegendo o lado mais frágil da relação.
Nas últimas décadas, diversas reformas trabalhistas em países latino-americanos, especialmente no Brasil, mostram como essa ideologia influenciou diretamente a legislação. A Reforma Trabalhista de 2017, por exemplo, foi amplamente pautada por argumentos neoliberais de "modernização" e "flexibilização", mas, na prática, significou a perda de direitos fundamentais, como a prevalência do negociado sobre o legislado, a facilitação da terceirização e o enfraquecimento dos sindicatos. Com isso, os trabalhadores ficaram mais vulneráveis e expostos à precarização, muitas vezes aceitando condições degradantes por medo do desemprego.
Além disso, a retórica neoliberal transformou o desemprego estrutural em responsabilidade individual. O Estado, que antes tinha o dever de garantir empregos dignos e políticas públicas de proteção social, passou a adotar uma postura minimalista, se eximindo de suas responsabilidades sob o argumento da “eficiência” e da “liberdade econômica”. O resultado é um mercado de trabalho cada vez mais desregulamentado, onde o trabalhador é compelido a aceitar qualquer condição para sobreviver — inclusive empregos informais, intermitentes ou por aplicativos, sem direitos ou garantias.
A influência negativa do neoliberalismo no Direito do Trabalho também se manifesta na tentativa constante de enfraquecer a Justiça do Trabalho, acusando-a de ser “onerosamente protetiva” ou de atrapalhar o “espírito empreendedor”. Essa crítica é usada como justificativa para cortes orçamentários, restrições à atuação dos juízes trabalhistas e desestímulo à judicialização dos conflitos laborais, o que limita ainda mais o acesso do trabalhador à justiça e à reparação de seus direitos violados.
Portanto, o neoliberalismo não apenas esvazia o sentido político do trabalho, como corrói as estruturas jurídicas construídas ao longo de décadas de lutas sociais. Combater essa ideologia é, antes de tudo, recuperar a dignidade do trabalho humano como base para uma sociedade mais justa e igualitária, em que os direitos trabalhistas sejam compreendidos não como entraves à economia, mas como pilares fundamentais da democracia e da cidadania.

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