Desde fevereiro, Sergipe acompanha com atenção uma denúncia de um suposto estupro envolvendo conselheiros da Ordem dos Advogados do Brasil de Sergipe. Apesar de a OAB não ser a vítima, em entrevista, o presidente da Ordem relata o sofrimento da instituição com a repercussão do caso.
Na última segunda-feira, 18, a advogada Buna Holanda rompeu o anonimato com uma forte carta de renúncia ao conselho da OAB, relatando o modo com o qual a gestão tratou sua denúncia de estrupo contra outro conselheiro da instituição, o advogado Ricardo Almeida.
Com a forte repercussão do caso, o presidente da Ordem em Sergipe concedeu entrevista ao “Jornal da Fan” na manhã desta sexta-feira, 22. O presidente usou o espaço para defender a imagem da instituição e afirmou estar “sangrando” com toda a repercussão. A escolha da figura de linguagem soa infeliz num caso no qual a vítima, segundo seu relato, sofrera sangramentos e com um custo pessoal incomparável.
O teor da entrevista seu deu no sentido de tornar a Ordem vítima das críticas que a ela foram feitas devido aos erros da instituição. Apesar de tentar adotar um tom de compreensão com a vítima, Danniel criticou o teor da carta de renúncia de Bruna, afirmando, categoricamente, que bastava uma linha para que a solicitação dela fosse acatada, mas que o teor se direcionava a atacá-lo.
A carta foi publicada no grupo dos conselheiros no WhatsApp e nas redes sociais através da leitura por parte de Bruna em sua conta no Instagram. No grupo, fora apagada por Danniel, que é moderador do grupo, e a agora ex-conselheira fora removida. Nas redes sociais, o vídeo repercutiu nacionalmente, e ensejou uma onda de solidariedade e revolta.
Enquanto presidente da Ordem, é justo que Danniel defenda a imagem da instituição, mas ela jamais poderá se sobrepor ou se igualar à preservação da vítima. Na entrevista, disponível no YouTube da Fan, pouco ou quase nada fora falado sobre o acusado. Fatos como uma pesquisa de opinião sobre a atuação da gestão com o caso, a relação do presidente com o acusado e a atuação da então presidente da comissão de mulher foram ignorados, gerando uma falsa sensação de que as críticas à atuação são vazias.
O presidente ainda apontou um suposto uso político do caso para afetar sua imagem enquanto presidente da Ordem. Negando que a vítima o faça, relatou que “medalhões” políticos, que, no entendimento dele, estavam adormecidos sem fazer nada pela classe, usam o caso para obter ganhos políticos e desgastar a atual gestão.
Ao final da entrevista, agradeceu a “hombridade” daqueles que aguardam o posicionamento da ordem e ressaltou que “a OAB está acima disso tudo”. Demonstrando mais uma vez a preocupação com a imagem, contundentemente disparou: “Eu não vou permitir que a nossa instituição seja envolvida em qualquer episódio negativo, principalmente quando ela não tem qualquer participação. A OAB Sergipe merece respeito. Nossos diretores merecem respeito”.
Sobre os procedimentos, declarou durante a entrevista que a OAB fez tudo que estava ao alcance, afastando o conselheiro e instaurando o processo ético-disciplinar.
O presidente ainda garantiu que o acompanhamento à vítima se fez e que os serviços de acolhimento da comissão de mulher tem sido ofertado, assim como assistente social, psicóloga e reembolso de gastos mediante apresentação de notas fiscais. Fatos negados pela vítima em sua carta de renúncia ao conselho.
A escolha de não instaurar por ofício o procedimento ético-disciplinar, segundo Danniel, se deu porque só poderia fazê-lo caso tenha a notícia, algum documento ou algum comunicado advindo de alguma autoridade. Mesmo tendo conhecimento do boletim de ocorrência, afirma que não o fez por ser um fato de caráter personalíssimo e que poderia ser acusado de denúncia caluniosa caso o fizesse.
É fundamental que a sociedade aprimore continuamente como lida com casos graves envolvendo temas afins ao de Bruna. Não é razoável, sob nenhuma hipótese, que a dignidade humana seja colocada abaixo, em grau de importância de quaisquer instituição. Apesar de justo que o presidente da OAB defenda a instituição, erra ao construir um discurso ignorando as graves falhas e gerando um clima negativo àqueles que, de maneira justa, cobram firmeza na ação de apoio à vítima.
Entenda o caso
O caso denunciado ocorreu no final de janeiro, quando o conselheiro da OAB ofereceu carona à conselheira, após um bloco de pré-carnaval, e, no trajeto, disse que teria que ir ao seu apartamento, onde teria acontecido o crime. Alguns dias após, Bruna prestou um boletim de ocorrência e realizou exames ginecológicos que comprovaram que ela havia sido violentada sexualmente.
Após prestar a denúncia à polícia, a vítima procurou Danniel Costa, presidente da OAB de Sergipe, para dar encaminhamento às devidas medidas e à abertura do procedimento ético-disciplinar. Segundo Bruna e outros advogados, o procedimento poderia ter sido aberto de ofício pelo presidente, entretanto, a abertura só ocorreu dias após, quando a vítima protocolou uma representação contra o advogado. O denunciado foi afastado do conselho, mas não foi afastado cautelarmente das funções de advogado.
A vítima relatou que em nenhum momento obteve assistência da OAB, seja institucionalmente para o acompanhamento nos depoimentos à polícia civil, seja financeiramente para arcar com exames e atendimentos médicos. Além disso, fora exposta entre os advogados, que sabiam a identidade de Bruna.
Um dos pontos mais simbólicos e negativos em relação ao comportamento da OAB foi o ingresso da então presidente da comissão de defesa da mulher como parte do caso, na qualidade de defensora do denunciado. Com a revolta, uma nova presidente tomou posse na comissão no final de fevereiro e fora realizada a substituição da advogada na defesa por um sócio do presidente da OAB.
Carta de renúncia
Em carta de renúncia ao conselho, Bruna explicita sua dor, frustração e indignação. Lembrando ter feito parte do movimento de renovação da OAB, se deparou com uma “postura desrespeitosa, falaciosa, machista e perigosamente astuta” por parte da direção e demonstrou se sentir “desamparada e humilhada pela gestão”, conduzida por Danniel.
Segundo Bruna, a procura pelo presidente se deu em 8 de fevereiro, com a esperança de que fosse dado encaminhamento para todos os procedimentos cabíveis, mas que percebeu que “não estava diante do Presidente da OAB, e sim do sócio e amigo do meu abusador”. O relato aponta ainda que o Danniel teria rebatido e contradito as palavras da vítima, e, em vez de abrir por ofício, o que entendia ser o dever do presidente, teria solicitado que fosse seguido os procedimentos de um processo ético-disciplinar comum, ignorando a gravidade do caso.
Em 16 de fevereiro, Bruna protocola oficialmente a representação contra o conselheiro da OAB e sócio do presidente. A vítima tomou como surpresa que as medidas tomadas a partir do dia 20 de fevereiro se deram no sentido de preservar a imagem da Ordem, ficando de segundo plano o acolhimento à vítima.
A preocupação com a imagem fica flagrante com a realização de uma pesquisa de opinião entre os advogados para compreender se a classe entendia como adequada a postura da Ordem sobre o caso até aquele momento.
Ao final da carta, a vítima afirma que não recebeu acolhimento e qualquer suporte da OAB de Sergipe e torna público a pergunta feita pelo presidente a ela, “por que você subiu ao apartamento?”, e a resposta, “subi porque confiava no amigo e colega advogado. Jamais imaginei que poderia sofrer a violência que sofri. O simples fato de ter subido não descaracteriza o estupro nem levanta suspeição séria aos fatos narrados por mim”.