O país que usa a miscigenação e a diversidade do seu povo em peças publicitárias, como um ponto forte de nossa gente, é o mesmo que mata e nega direitos a essa diversidade. Nesta quinta-feira, 17, mãe Bernadete, iyálorìṣa e líder quilombola, foi cruelmente.
Maria Bernadete Pacífico foi executada com 14 disparos na terra em que protegia, Quilombo Caipora, Pitanga de Palmares, em Simões Filho, na Bahia. Na mesma terra, em 2017, Flávio Gabriel Pacífico, Binho do Quilombo, filho de mãe Bernadete, foi assassinado na frente da escola dentro da comunidade quilombola. Tanto Binho, quanto Bernadete, eram lideranças reconhecidas e respeitadas na luta pelos direitos do povo de quilombo.
A Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), instituição da qual Bernadete era coordenadora nacional, lembra que o assassinato de Binho e de tantas lideranças quilombolas continuam sem resposta e reclama para que o mesmo não se repita neste caso. “É dever do Estado garantir que haja uma investigação célere e eficaz e que os responsáveis pelos crimes que têm vitimado as lideranças desse Quilombo sejam devidamente responsabilizados. É crucial que a justiça seja feita, que a verdade seja conhecida e que os autores sejam punidos”, diz o Conaq em nota.
Matéria do Estadão demonstra que o poder público sabia do risco de morte que a líder quilombola sofria. Em audiência com a Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), Bernadete reclamou que não até o momento não sabia quem mandou executar seu filho. “É injusto. Recentemente perdi outro amigo e uma amiga em quilombo. É o que nós recebemos: ameaças, principalmente de fazendeiros, de pessoas da região”, relatou à ministra.
O Estadão relata ainda que na ocasião, Bernadete ainda afirmou estar sob vigilância: “hoje eu vivo assim, eu não posso sair que estou sendo revistada. Minha casa toda cheia de câmeras, me sinto até mal, mas é o que acontece”. Weber, que preside o STF e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), se pronunciou afirmando que o caso precisa ser urgentemente elucidado e que a segurança de seus familiares e demais lideranças deve ser garantida, ainda acrescentou que “é absolutamente estarrecedor que os quilombolas, cujos antepassados lutaram com todas as forças e perderam as vidas para fugir da escravidão, ainda hoje vivam em situação de extrema vulnerabilidade em suas terras”.
Ser quilombola, preta e de candomblé não é detalhe no caso de Bernadete, é central e explica a execução. A iyálorìṣa é vítima duplamente de um Estado ineficiente na proteção das minorias, visto que a vida de seu filho e a dela própria foi ceifada num projeto violento que visa a tomar as terras quilombolas.
As ameaças de morte que Bernadete relatou ao Estado Brasileiro teriam como fundo a especulação imobiliária de Salvador. Apesar de o governador Jerônimo Rodrigues (PT) externar sua indignação e determinar que as Polícias Militar e Civil desloquem-se de imediato ao local e sejam firmes na investigação, lideranças quilombolas reclamam que o governo baiano não garantiu a proteção dos moradores e nem foi resolutivo na investigação de crimes anteriores.
O presidente Lula (PT) também externou seu lamento sobre a perda de mãe Bernadete, relembrando que a líder foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial na cidade em que foi assassinada e ordenou que representantes do governo federal, dos ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e Cidadania, envie representantes para acompanhar as investigações.
Qualquer caminho no sentido de justiça será mínimo e incapaz de garanti-la. Ao reclamar a morte do seu filho e não obter resposta, a vida dela se colocou exposta e sem as garantias do Estado brasileiro. A impunidade do passado serviu de estímulo para o assassinato de ontem.
O branco que hoje cobre os candomblecistas, em honra a Oxalá, honra também a mãe Bernadete. O branco de hoje é de luto e manchado por um tipo de injustiça que consome o Brasil há séculos. Há um itã que narra que Xangô ordenou que seus súditos vestissem branco e prestassem homenagens a Oxalá pela injustiça que sofrera naquele reino. Hoje, o branco do povo de axé também é por mãe Bernadete.
Ọlọrun kosi pure!